A Paixão de Jesus tem sua antecipação profética no relato da Ceia. Chegada a hora de sua saída para o Pai, Jesus põe-se a cear com seus discípulos. Essa última refeição que ele toma com os seus revela-se a prefiguração de sua entrega a Deus e da conclusão de sua missão. Por isso, ela é cheia de significados. A morte de Jesus não é um fracasso, um caminho sem saída, mas inauguração da paz e salvação plena na presença de Deus. É consequência de sua vida, de sua doação plena ao projeto de salvação operado por Deus na história humana. É a manifestação do reino de Deus, ou seja, da justiça e fidelidade. É o cume do anúncio do reino de Deus, proclamado desde a Galileia, o qual foi o programa de toda a sua atuação pública. Por isso, ao dizer “desejei ardentemente”, Jesus quis dar um significado à sua morte iminente. Ela é promessa de restauração da humanidade decaída. Nessa promessa, Jesus associa os discípulos a um gesto retomado do banquete judaico, inserindo os seus no mesmo destino: o destino de alguém que enfrenta a morte na firme esperança de antecipar a realeza de Deus no mundo e na história.
Após a ceia, Jesus vai ao monte das Oliveiras e, como de costume, ora ao Pai, princípio e fonte de seu ministério. Ao vislumbrar o destino que o aguarda, Jesus recorre ao Pai. Na agonia, pede que lhe afaste o cálice do sofrimento. Mas mantém-se fiel à vontade de Deus. Não uma vontade desejosa da morte de seu Filho, mas a que revela o amor fontal e fiel de Jesus àquele de quem tudo recebe.
Em nome desse amor, Jesus permanece firme até o fim. E, movido por esse amor, enfrenta os que o capturam. É com esse amor e fidelidade filial que Jesus enfrenta a traição de Judas, a negação de Pedro, a dor e a humilhação infligida a ele por aqueles a quem fora enviado: seu povo.
No Sinédrio, Jesus é rejeitado de forma definitiva pelos líderes do seu povo. Diante do Sinédrio, o evangelista estabelece a posição e a identidade de Jesus em face da autoridade judaica. A identidade de Jesus é apresentada de forma progressiva: o Cristo (22,67), o Filho do homem, glorificado à direita de Deus (22,69), o Filho de Deus (22,70). Na expressão “Filho de Deus” está presente a profissão de fé cristã. O Filho do homem foi humilhado e menosprezado pela humanidade, mas agora está glorificado por Deus como um messias-rei (cf. Sl 110,1).
Após ser rejeitado pela liderança religiosa, Jesus é submetido ao poder político, que, apesar de estar ciente de sua inocência, o condena. Acusado de rebeldia e subversão, Jesus é entregue à morte. Na obstinação dos sumos sacerdotes, dos magistrados e da multidão em condenar Jesus, transparece a total rejeição ao projeto de Deus realizado no homem de Nazaré. A morte de Jesus situa-se ao final de uma série de infidelidades e rebeliões obstinadas contra o projeto de Deus ao longo da história.
No caminho da cruz, Jesus deixa entender que, na sua morte violenta, se decide o destino do povo de Deus e da humanidade. O julgamento histórico de Deus abater-se-á sobre a cidade de Jerusalém, símbolo da humanidade infiel e rebelde aos apelos dos profetas.
Jesus é crucificado entre malfeitores. O que veio para buscar os perdidos encontra-se agora entre eles, partilhando da mesma sorte. E, aqui, revela-se o rosto salvador de Deus. O Libertador de Israel não tira o Messias da cruz nem o livra da vergonha e da violência, contudo permanece fiel ao amor também na situação mais extrema.
A inocência de Jesus é reconhecida por um dos criminosos ao seu lado. E este proclama sua total confiança em Jesus. A resposta do Filho de Deus é uma afirmação solene da salvação já hoje, da salvação escatológica que começa no hoje da história humana. Então o pecador arrependido pode escutar a “boa nova”, o evangelho da salvação, que consiste na comunhão com Jesus no Reino dos justos. É com este último gesto de solidariedade que Jesus dá a salvação a quem crê e se converte.
Após sua morte, a ação de Deus é reconhecida pelo centurião, ao proclamar que Jesus era um homem justo. Mas a morte não é o fim e nos lança para o que acontecerá no amanhecer do primeiro dia da semana.
Fonte: Revista Vida Pastoral
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