No Evangelho de Lucas, a alegria é um tema fundamental. Já no primeiro capítulo, narra-se o contentamento de Zacarias ao saber do nascimento de João Batista (Lucas 1,14). No entanto, é no versículo “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo” (Lucas 1,28) que encontramos o sentido pleno de “alegria”.
Na raiz grega da palavra, chaíro, pode-se traduzir o cumprimento “ave” como “Alegra-te”. Por meio dessa saudação, o Mensageiro do Senhor introduz seu diálogo com Maria. O significado dessa alegria está diretamente relacionado à sua causa; trata-se do deleite de participar do projeto de Deus. É uma alegria que está acima das emoções, sentimentos e conflitos corriqueiros.
Maria terá momentos de tristeza, preocupação, duvidas, até mesmo “uma espada atravessará seu coração” poder conta da opção que fez e da vocação que acolheu. Mas a sua satisfação, no âmbito das bem-aventuranças, permanecerá imutável, porque tem consciência de sua comunhão com Deus. Maria alegra-se em Deus; o entusiasmo brota da sua fé, fruto do Espírito e do testemunho da grandeza de Deus, agindo na pequenez humana (Filipenses 1,25; Romanos 15,13; Gálatas 5,22).
O Mensageiro, após a saudação, dirige-se a ela com a expressão “cheia de graça”, ou seja: cheia de cháris, um favor concedido gratuitamente, um dom outorgado por benevolência. A tradução grega apresenta-nos a palavra no particípio, sugerindo que a cháris opera em Maria continuamente. Ela não somente permite a ação divina com também colabora.
Embora não tenham sido os atributos mariano que a fizeram merecedora de tal graça, mas sim o olhar de Deus sobre sua pessoa, a humildade de Maria foi uma das condições prévias para o despertar do cháris perante o olhar divino. Esse favor recebido, proveniente de um único doador, refere-se à força que emana do Espírito para acompanha-la na missão que assume. Devido á graça concedida, Maria pode contemplar os mistérios de Deus. Isso a impulsiona a correr até a casa de Isabel e compartilhar as maravilhas que ultrapassam o intelecto humano. A alegria mariana converte-se em ambiente teológico, vivenciado até mesmo pelo filho da sua prima, que estremece no ventre de sua mãe. (Lucas 1,44).
No entanto, o mais importante da frase que dá título de tal alegria: “O Senhor é contigo”. Na análise gramatical e teológica, a oração comunica que o Senhor teve a iniciativa de compartilhar com Maria uma experiência salvadora: “permaneceram juntos”, “esteve junto a ela”, “ao seu lado”, “em uma relação de proximidade”. O tempo de Jesus será o tempo dessa alegria profunda, que é obedecer a vontade de Deus. Esse é o fundamento que marcará, dali em diante, a origem da alegria cristã. A tradição Paulina bem recomenda: “Vivei sempre contentes. Orai sem cessar” (1 Tessalonicenses 5,16).
A meditação do Rosário nos introduz na contemplação dos mistérios na História da humanidade, leva-nos a sintonizar a alegria mariana e a buscar as origens de nossa própria alegria. O contentamento de Maria não é um regozijo alienante, mas comprometido coma vida e a dignidade dos pobres, como bem recorda o Magnificat. Maria nos anima a buscar enfaticamente o fundamento da nossa alegria. Ao mesmo tempo, nos ajuda a localizar qual deve ser a origem de nossos sofrimentos: a causa do Reino. O Rosário meditado é uma vitamina fecunda que convida todos os cristãos a perseverar com paciência em sua missão. A alegria da graça que habita em nós não nos isenta das tribulações, mas nos cobre de força.
Maria, por meio da sua humildade, nos evangeliza, especialmente em tempos nos quais a vaidade e a arrogância são vistas com olhos complacentes. Nossa Mãe nos dá exemplo de personalidade maturidade na fé, mas ao mesmo tempo, nos aponta o caminho para andarmos sem invadir o espaço de Deus.
Ángela Cabrera, mdr
Fonte: Revista Ave Maria- 04/2013.
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