sábado, 27 de julho de 2019

Quem é meu próximo?


Por: Cláudio Márcio

Quem é o meu próximo? (Lc. 10,25-37) Essa é uma questão central para nossa caminhada enquanto cristãos reformados e ecumênicos na América Latina, pois, durante muito tempo, fomos tratados como corpo objeto que podia ser vendido, escravizado, brutalizado, acorrentado, humilhado e massacrado sem piedade alguma. Ter ou não ter alma? Humano ou não humano?

Fonte: Blogger Diálogos pela Liberdade




Quem é o sua/seu próxima/o? 






O processo civilizador cristão, machista, branco, europeu (com a Bíblia na mão e a cruz que se transformou em espada) gerou muita violência e opressão para povos originários e africanos. Sabe-se que em nome de deus, da ciência, da economia, da modernidade e da tecnologia, grupos sociais subjugaram outros grupos e muito sangue foi derramado. Aqui não cabe saber quem é mais ou menos culpado, mas, faço apenas um convite para uma reflexão mais séria e complexa que precisa ser estabelecida. Há redes construídas dentro de processos históricos e sociais e a bíblia, por exemplo, fez parte da construção do ocidente com muitas ambivalências de vida e morte.

Numa abordagem sócio-antropológica, é possível afirmar que cada grupo social possuí suas regras e paradigmas de socialização, isto é, seus ritos de passagem, seus valores, suas múltiplas formas de viver e interpretar o cotidiano. Com efeito, há uma diversidade de expressões culturais que deve ser respeitada e garantida no processo histórico.
Entretanto, é importante ressaltar que segundo o sociólogo francês Émile Durkheim: “ao classificar algo você hierarquiza”, assim sendo, o modelo europeu foi imposto como superior e naturalizado ao longo dos anos. Todavia, há e sempre haverá, resistências e maneiras de (re)criar a vida e as relações sociais.

Uma das formas de resistir é a partir da releitura do texto sagrado dos cristãos, logo, o que está escrito na Lei? Como lês? Não basta pertencer a tradição e ou ler a bíblia. O questionamento de Jesus é de extrema relevância para nossa interpretação hoje, pois, sem dúvida alguma, a narrativa bíblica desafia-nos mais uma vez para o dilema da alteridade. Como ser cristão e não viver em solidariedade? Como ser cristão e não defender a causa dos imigrantes? Como achar que é normal gays sangrarem até a morte? Como se conformar com o extermínio da juventude negra? Como ficar em silêncio diante de mulheres que são agredidas?

Em MT 23.27-39 há uma denúncia da espiritualidade superficial, fétida e aparente que mata os profetas e rejeita o colo amoroso de Deus. A experiência de Jesus de Nazaré é um grande convite para nossa conversão, ou seja, o amor precisa vencer o ódio. É preciso aprender a perdoar, a mudar, a recriar, a seguir. O outro é o espelho da nossa humanização mútua, isto é, o convite de Jesus é para uma espiritualidade da solidariedade, do cuidado, da compaixão e do serviço.



É necessário agir de maneira íntegra e com empatia, uma vez que: “não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”
(Gl 3.28). 


      Irmãos e irmãs, a responsabilidade que temos é muito grande, todavia, sabemos também que é uma alegria e um prazer servir ao Senhor. Lembrem-se: não é suficiente ser religioso! O que temos feito com aqueles e aquelas que encontramos no caminhar? Encerro com um fragmento do diálogo dos personagens Chicó e João Grilo no filme O Alto da Compadecida: “Jesus às vezes se disfarça de mendigo pra testar a bondade dos homens”.


Fonte: Blog Dialogando na Serra



Matéria Extraída do Blog: Dialogando na Serra


segunda-feira, 15 de julho de 2019

De equivocados a vítimas: as juventudes como para-raios das transformações sociais

Por: João Vitor Santos
Para muitos adultos, falar de jovens e adolescentes é falar de gente que acha que sabe de tudo, que não respeita nem leva em conta a experiência dos mais velhos. “Historicamente compreendemos as juventudes como segmento social equivocado por natureza, muito diferente de nós, com quem não conseguimos dialogar”, observa o pesquisador Giovane Scherer. Entretanto, ele lembra que muitas vezes os adultos esquecem que “diálogo também é escuta, e não somente prescrição”. “Muitos adultos tentam entender a forma pela qual a juventude interage por meio de preconcepções e prescrições do que eles devem fazer, sem nem sequer ouvir, de forma atenta, a maneira pela qual a juventude compreende o mundo”, completa, ao lembrar desse que é um eterno conflito de gerações.
Fonte: Internet
               


"As juventudes demonstram o que toda a sociedade está vivenciando em um determinado momento histórico".








Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Giovane chama atenção para como essas novas gerações podem ser apreendidas enquanto indicadores de transformações a que todos são submetidos. “As juventudes demonstram o que toda a sociedade está vivenciando em um determinado momento histórico. Evidentemente, as juventudes não são um simples reflexo, que, de forma passiva, demonstram as transformações sociais, mas são compostas por sujeitos que participam e constroem história, juntamente com os demais segmentos sociais”, explica.
Logo, se uma sociedade é atravessada pela tecnologia, o impacto maior é nas novas gerações. Assim, se vivemos crises de trabalho, a reverberação nas novas gerações é muito maior. “As juventudes são o segmento social que mais vem vivenciando esse contexto de precarização das condições laborais. Sob o pretexto da necessidade de ‘apreender a trabalhar’, se oculta uma série de formas de precarizações e explorações da força de trabalho juvenil, sendo por meio de estágio, contratos por tempo parcial, contratações por via do trabalho intermitente”, exemplifica.
Giovane estende o raciocínio para a questão da violência, pois jovens são os que mais morrem. Isso, para o pesquisador, pode ter relação com a falta de trabalho. “O tráfico de drogas cumpre, especialmente para as juventudes pobres, uma inserção laboral altamente violenta e precarizada, se constituindo um catalizador da violência”, aponta. Mas como construir um futuro com essas novas gerações? Ele tem uma pista: “a educação para as juventudes, na atualidade, deve ser o foco do país, tendo a necessidade de investimentos em todos os níveis de formação profissional. A educação não pode ser vista de forma fracionada e focalizada, mas como algo integral e universal, como aponta o texto constitucional”.
Giovane Antonio Scherer possui graduação, mestrado e doutorado em Serviço Social. Realizou seus estudos de doutoramento com período de estágio doutoral junto ao Centro de Estudos Sociais - CES da Universidade de Coimbra, em Portugal. Atualmente é professor na Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS, no curso de Serviço Social, junto à graduação e ao Programa de Pós-Graduação. Entre suas publicações, destacamos Serviço Social e Arte: Juventudes e Direitos Humanos em Cena (São Paulo: Cortez, 2013).
Confira a entrevista.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Estar no mundo à maneira de Jesus.

Pe. Adroaldo Palaoro, sj

 “…e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar aonde Ele própria devia ir” (Lc 10,1)

Ainda carregamos resquícios de uma falsa visão da santidade como afastamento do mundo e de seus perigos e buscar refúgio no deserto, nas montanhas ou nos conventos. O(a) santo(a) não se afasta do mundo para encontrar a Deus; ele(ela) faz a “experiência” do Deus agindo no mundo.
Aí O encontra e caminha com Ele; o(a) santo(a) é aquele(a) que faz o que Deus faz neste mundo, aquele que faz com que este mundo seja justo, santo, salvo. O mundo não é só o “habitat” da sua missão: é sobretudo a fonte da sua espiritualidade, o lugar certo para encontrar a Deus e escutar o Seu chamado. 
Pondo-nos na escola do Evangelho, é aqui, neste mundo, que Jesus nos chama a estender o Reinado do Pai, trabalhando cada dia como amigos seus que passam, observam, curam, se compadecem, ajudam, transformam, multiplicam os esforços humanos.
Apaixonados pelo Reino, nos apaixonamos pelo mundo que, em sua diversidade, riqueza, simplicidade, profundidade, fragilidade, sabedoria… nos fala com novos traços do Deus que buscamos com desvelo. E amando e investigando tudo o que é do mundo, adoramos o Deus Santo que habita em tudo.
O(a) santo(a) seguidor(a) de Jesus é aquele(a) que, na liberdade, afirma: “Fora do mundo não há salvação”. Ele(ela) descobre na realidade do mundo e da história os “sinais dos tempos” e entra em comunhão com tudo, porque tudo é “diafania” de Deus. Enraíza sua convicção nesta visão, nesta mística da presença de Deus em sua obra, na contemplação de um mundo chamado a re-converter-se em justo e belo, verdadeiro e pacífico, unido e reconciliado, entranhado em Deus, como no primeiro dia da Criação.
A vocação à santidade ativa em nós a paixão pelo Reino, mobilizando-nos a levar adiante a missão, a ir aos lugares do mundo onde há mais necessidade e ali realizar obras duradouras de maior proveito e fruto.
Como seguidores(as) de Jesus, movidos(as) por um olhar novo, entramos em comunhão com a realidade tal como ela é. Trata-se de olhar o mundo como “sacramento de Deus”. Um olhar capaz de descobrir os sinais de esperança que existem no mundo; um olhar afetivo, marcado pela ternura, compassivo e por isso gerador de misericórdia; olharque compromete solidariamente.
O(a) discípulo(a) missionário(a) não é aquele(a) que, por medo, se distancia do mundo, mas é aquele(a) que, movido(a) por uma radical paixão, desce ao coração da realidade em que se encontra, aí se encarna e aí revela os traços da velada presença do Inefável; o mundo já não é percebido como ameaça ou como objeto de conquista, mas como dom pelo qual Deus mesmo se faz encontrar. O mundo não é lugar da exploração e da depredação, mas é o lugar da receptividade, da oferenda e do encontro inspirador.
Para realizar esta nobre missão, não podemos permanecer sentados. Seguir Jesus exige de nós uma dinâmica continuada, um colocar-nos a caminho em direção às margens. Não podemos viver o chamado do “Rei Eterno” a partir de uma cômoda instalação pessoal. A disponibilidade, o despojamento e a mobilidade são exigências básicas.
Corremos o risco de viver em mundos-bolha; podemos construir nossa vida encapsulada em espaços feitos de hábito e segurança, convivendo com pessoas semelhantes a nós e dentro de situações estáveis. É difícil romper e sair do terreno conhecido, deixar o convencional. Tudo parece conspirar para que nos mantenhamos dentro dos limites politicamente corretos. Todos podemos terminar estabelecendo fronteiras vitais e sociais impermeáveis ao diferente. Se isso acontece, acabamos tendo perspectivas pequenas, visões atro-fiadas e horizontes limitados, ignorando um mundo amplo, complexo e cheio de surpresas. Muitas vezes “vemos” o diferente, mas só como notícia, como o olhar do espectador que sabe das “coisas que acontecem”, mas não sente e nem se compadece por elas.
Viver a santidade no mundo de hoje nos move a encontrar outras vidas, outras histórias, outras situações…; escutar outros relatos que trazem muita luz para a nossa própria vida. Olhar a partir de um horizonte mais amplo, ajuda a relativizar nossos próprios absolutos e deixar-nos impactar pelos valores presentes no outro. Escutar de tal maneira que o que ouvimos penetra na nossa própria vida; isso significa implicar-nos afetivamente, relacionar-nos com pessoas, não com etiquetas. Acolher na nossa própria vida outras vidas; abrir espaços para que as histórias dos excluídos e diferentes encontrem morada nas nossas entranhas, na nossa memória e no nosso coração.
O encontro com o diferente possibilita também o encontro consigo mesmo, ou seja, encontrar a própria verdade. Isso implica em se perguntar pela própria identidade, por aquilo que dá sentido à própria vida, o impulso por viver de uma maneira cristificada, conforme os valores do Reino.
Para que haja verdadeiro encontro com o outro, o deslocamento expõe quem se desloca, deixa-o vulnerável e “contaminado” pela realidade que encontrou. Quando alguém se desloca e se aproxima de realidades diferentes, é para encontrar, encontrar-se e aprender.
Como discípulos(as)-missionários(as) de Jesus, nosso desafio não é fugir da realidade, mas aproximarmos dela com todos os nossos sentidos bem abertos para olhar e contemplar, escutar e acolher, percebendo no mais profundo dela a presença ativa do Deus que nos ama com criatividade infinita, para encontrar-nos com Ele e trabalhar juntos por seu Reino. O mundo precisa de místicos(as) santos(as) que descubram onde está Deus criando algo novo, para proclamar esta boa notícia.
Nós cristãos honramos a santidade universal sem fronteiras de raça, de credo, de cultura…Santidade é dizer sim à vida; é um caminho a ser percorrido “de dois em dois”. Porquê esta insistência em fazer o caminho ao menos junto a outro(a)? Do envio dos discípulos e discípulas de dois em dois, podemos tirar duas consequências: uma para os momentos de fragilidade, de cansaço e de desânimo; a outra para quando nos sobrevém inesperadamente a luz, a alegria…
Precisamos fazer o caminho em companhia para poder estendermos a mão quando caímos, para aprender a sustentar mutuamente… E, também de “dois em dois” para ter alguém ao nosso lado com quem poder brindar, porque é uma ação que não é possível realizá-la sozinhos. Celebrar, agradecer, brindar a vida… para isso, quanto mais companheiros(as) de estrada, melhor.

Textos bíblicos: Lc 10,1-12.17-20

Na oração: Todas as narrativas acerca do chamado conservam a marca intencional de um encontro surpreendente, inesperado e expansivo: deixar a vida estreita para entrar no amplo espaço de vida proposto por Jesus.
Diante de Jesus, que “passa e chama” a todos, responda: como você vive, hoje, sua missão no trabalho, no seu ambiente, na sua comunidade?
Que sentido você quer dar à sua própria vida?… em quê gastar suas forças, capacidades? 

Como viver, no seu cotidiano, sua vocação de discípulo(a)-missionário(a)?



segunda-feira, 1 de julho de 2019

O que é, afinal, a vida?

Num lindo dia de sol, por volta do meio-dia, fez-se grande silêncio na orla da mata. 
Os passarinhos haviam escondido suas cabecinhas sob as asas, e tudo descansava.
Foi quando o bem-te-vi espiou por entre a folhagem  da árvore e perguntou:
“O que é, afinal, a vida?”
Todos se surpreenderam com essa pergunta difícil. 
O bem-te-vi deixou seu galho, deu uma grande volta pelo campo e voltou, em seguida, ao seu lugar, a sombra da árvore.
Uma roseira, à beira do caminho, estava, nesse momento, abrindo um botão.
Desenrolando uma pétala após a outra, dizia: “A vida é desenvolvimento”.

A borboleta era menos profunda. Voava de uma flor à outra e, beliscando de sua doçura, dizia:
“A vida é só alegria e brilho”.
Por entre o gramado denso, uma formiga carregava uma haste dez vezes mais longa do que ela própria. Numa parada para descanso, ela disse: “A vida é um misto de trabalho e prazer”.
Uma abelha, voltando de sua excursão pelo campo, carregadinha de néctar, observou: “A vida é um misto de trabalho e prazer”.

Ouvindo essas reflexões sábias, o ratão não pode deixar de dar seu palpite:
“A vida? A vida é uma luta no escuro”.
Quase teria dado briga entre os animais, se não tivesse começado a chover. 
E a chuva dizia: “A vida consiste de lágrimas, só lágrimas”.
Muito alto no céu, uma águia perfazia círculos majestosos. 
Ela exultava: “A vida é um esforço para subir”.
Não muito longe da margem, uma árvore já curvada pela tempestade disse: 
“A vida é inclinar-se sob uma força maior”.

Então veio a noite. Silenciosamente, uma coruja deslizava pelo campo em direção à mata. 
Disse: “A vida é aproveitar as oportunidades enquanto os outros dormem”.
Finalmente, o silêncio cobriu o campo e a mata. Após algum tempo, um jovem caiu na relva, cansado de dançar e beber, e disse: “A vida é uma busca constante da felicidade e de uma longa corrente de decepções”.

De repente, a aurora se levantou em todo o seu esplendor e disse: 
“Assim como o dia é um instante da vida, assim a vida é um instante de eternidade”.


Conto sueco.
Fonte: Jornal de opinião.


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