quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Vocação e a cultura do bem-estar

Lucas descreve Jesus num caminhar para Jerusalém, onde doará a vida. Ele vai à frente, os discípulos atrás; toma uma decisão firme de fazer esse caminho, o que exige também uma segurança do discípulo ao decidir o mesmo. O chamado para seguir Jesus é mais forte que a vida que os discípulos levavam anteriormente. O olhar dos discípulos deve estar fixo no Mestre que caminha à frente. Para não perdê-lo de vista, não se deve olhar para trás. O texto que serve de fundo para essa reflexão é Lc 9,51-62.

Nessa marcha há riscos para quem se dispôs a ir a Jerusalém com Jesus. Em primeiro lugar, a empolgação. Pode-se dizer: “eu vou fazer isso e aquilo, vou fazer desse jeito, serei discípulo do Mestre Jesus!”. Nesse caso é preciso colocar os pés na realidade. A empolgação cega o discípulo e o impede de perceber com lucidez a estrada que Jesus se propõe a percorrer. Ou seja, não se pesa e nem se avalia a consequências de seguir o Mestre. No meio do caminho, quando acordamos da anestesia da empolgação, sentimo-nos enganados.

Jesus diz que as raposas e os passarinhos vivem em melhores condições, pois Ele não tem nem lugar para recostar a cabeça. O que eu quero seguindo Jesus? A nossa atual cultura pode fazer entender que Jesus oferece bem-estar. É preciso diferenciar bem-estar de bem-viver. O primeiro é querer uma vida boa para mim e, no máximo, para os mais próximos; uma vida de conforto. O bem-viver, a partir do horizonte do Evangelho, leva-nos a pensar no todo e em todos; leva-nos a um constante processo de saída de nós mesmos.

A cultura do bem-estar, recorda-nos o papa Francisco, produz pobreza e mal-estar. E uma vocação que deixa adentrar em seu coração esse jeito de viver, caminha na direção contrária a Jesus. Uma vocação assim não se permite tocar e sensibilizar-se, e deixa de escutar os gritos dos mais pobres. O papa Francisco tem nos lembrado que quem experimentou a misericórdia de Deus não pode viver insensível à dor e necessidade dos irmãos.

Ao falar de alegria e paz, o papa diz, no numero 222 da Laudato Si’, que a “Espiritualidade cristã propõe uma forma alternativa de entender a qualidade de vida, encorajando um estilo de vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda alegria sem estar obcecado pelo consumo [...]. A espiritualidade cristã propõe um crescimento na sobriedade e uma capacidade de se alegrar com o pouco”. O que se coloca aqui é um caminho que liberta o discípulo dos apegos que o fecham para a verdadeira alegria. 

O outro risco para o discípulo é a acomodação. Num primeiro momento se diz assim: “Eu vou...!”. No entanto, a vida e tantas outras necessidades que sempre aparecem à frente do chamado vão colocando uma conjunção adversativa, aquele famoso “mas” que bloqueia o risco dos primeiros passos. E o seguimento sob condições não é seguimento! Acaba-se assim por “sepultar o Evangelho com mil desculpas”. Seria como deixar de caminhar para construir um refúgio particular, em que se encontram somente aqueles que fortalecem nosso jeito de viver.

Vocação é provocação!  E o Evangelho nos chama a quebrar, em nós, ciclos viciosos de uma cultura que nos leva para outros caminhos, que adenta o coração de tantos vocacionados. Seguir Jesus é uma aventura. É viver de caminhos! É caminhar saem pátria e sem lar. Muitos seguidores de Jesus partiram sem saber se veriam novamente seus parentes e sua terra natal. É Ele quem diz aos discípulos aonde devem ir. Por isso, não se pode perdê-lo de vista.
                
Sebastião Corrêa Neto
(Sacerdote  da Diocese de Oliveira (MG) 
Membro da comissão Nacional de Assessores de PJ).

Fonte: Revista Rogate, nov de 2016

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