segunda-feira, 27 de abril de 2015

Dia da Empregada Doméstica - Conquistas e avanços ainda que tardios

O Senado Federal aprovou no dia 26 de abril de 2013, a PEC - Proposta de Emenda Constitucional nº 66/12. Esta emenda, que vem sendo chamada de "PEC das Domésticas", prevê avanços na conquista de direitos para as seguintes categorias: empregadas domésticas, cozinheiras/os, copeiras/as, jardineiras/os, motoristas, cuidadores de idosos, babás e caseiras/os. 

Falar da importância do trabalho da empregada doméstica na atualidade é por si só um avanço significativo, num contexto em que a grande maioria das profissionais sempre foram lesadas em seus direitos trabalhistas, desrespeitadas em sua condição humana e de mulher, esquecidas nos “fundos das casas” dos empregadores/as e lembradas, quando eram, unicamente nos momentos em que precisavam limpar as “sujeiras” deixadas, muitas vezes, estupidamente pelos patrões/as.

Não é raro escutar de empregadas domésticas casos em que foram assediadas por patrões e filhos de patrões. Esses, estimulados pelos valores culturais concedidos ao homem, principalmente ao homem branco, que não se contentando em ter simplesmente uma lavadeira, passadeira, cozinheira, “limpadeira” e babá em sua casa, acreditam ter o direito de tê-la também em sua cama. Segue um trecho do livro “Casa Grande & Senzala”, onde podemos perceber nitidamente a origem histórica da “abolição incompleta no Brasil”, e como se mantém as estruturas da desvalorização do trabalho doméstico. 

“Agora as escravas negras substituíam as cunhãs (índias) tanto na cozinha como na cama do senhor. A mulher escrava fazia ponte entre a senzala e o interior da casa-grande e representava o ventre gerador. As negras mais bonitas eram escolhidas pelo sinhô para serem concubinas e domésticas... A escrava adoçava a boca do senhor e recebia chicotadas à mando da senhora”.(trechos do livro Casa Grande & Senzala).
  
“Nenhuma casa-grande do tempo da escravidão quis para si a glória de conservar filhos maricas ou donzelões. (...) O que sempre se apreciou foi o menino que cedo estivesse metido com raparigas. (...) E que não tardasse a emprenhar negras, aumentando o rebanho e o capital paternos”. (trecho do livro Casa Grande e Senzala)².

Podemos comparar as citações de Gilberto Freire com relatos de trabalhadoras domésticas da atualidade:

“A experiência que eu tive como empregada doméstica foi horrível. Quantas vezes eu acordei de madrugada com o patrão em cima de mim. Só não acontecia nada por que eu sempre fui “bocuda” e falava que ia falar com meu pai”. (Anita) 

“Trabalhei no Rio de Janeiro como empregada doméstica. Era uma família muito rica. Eu era menina boba e cai nos encantos do meu patrão. Ele sempre ia no meu quarto, que era bem pequeno e mal cabia a cama e um armário. Quando eu saia do quarto já entrava na lavanderia, lembro como se fosse hoje. Engravidei e ele me deu dinheiro para desaparecer de sua casa”. (Maria Raimunda)

É nesse cenário que começa brotar as primeiras manifestações de mulheres que quebram o silêncio e falam das diversas violências vividas até então legitimadas pela sociedade brasileira, que ao nascer sob o berço de um sistema opressor, patriarcal e racista, continuam com marcas de um regime escravocrata. E essas mulheres fazem chegar aos espaços de direitos seus gritos, esperanças e anseios por uma vida mais digna através do reconhecimento social da profissão de empregada doméstica. 

Na primeira regulamentação das leis trabalhistas que aconteceu no ano de 1943, a categoria ficou fora. Segue a trajetória de lutas e conquistas das empregadas domésticas ao longo da história brasileira:
  • 1972 - Direito à carteira assinada - (Lei 5859/72), que também assegurou férias de 20 dias úteis ao ano;
  • 1988 – através da Constituição Federal também conhecida como Constituição Cidadã - direito de não receber remuneração inferior a um salário mínimo, 13° salário, descanso semanal remunerado, férias anuais remuneradas, direito a aposentadoria;
  • 2001 – Direito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do seguro desemprego, que não se transformou em um direito de fato, já que o recolhimento dos tributos necessários para garantir benefício ainda é opcional ao contratante;
  • 2006, a lei proibiu o empregador de descontar, do salário do trabalhador/a doméstico/a, os gastos com alimentação, vestimenta, moradia e higiene. Foram asseguradas as férias de 30 dias (após um ano de trabalho) e a garantia de não demissão, sem justa causa, após cinco meses do parto;
  • Agora, com a aprovação do PEC 66/2012, foram conquistados a jornada diária de, no máximo, oito horas (44 horas semanal), o pagamento de horas-extras (com acréscimo de 50%), além da licença-maternidade, de 120 dias, remunerada. Também foi estipulado que o salário mínimo é o piso da categoria;
Ao realizar uma análise comparativa entre a situação do trabalho doméstico no Brasil e no mundo, de acordo com OIT constatou-se o seguinte: 

Dados  mundiais
  • 52,6 milhões é o total de trabalhadores domésticos;
  • 83% são mulheres;
  • 29,9% estão excluídos da legislação laboral nacional.
  • 45% não têm direito a período de descanso semanal ou férias anuais remuneradas.
  • Em 2008, a OIT estimava em 4,7 milhões o número de crianças trabalhadoras domésticas menores de 15 anos (não há dados para 2011).
No Brasil 
  • Temos 7,2 milhões de trabalhadores (as) domésticos (as). O Brasil é o país com o maior número de trabalhadores domésticos no mundo, em números absolutos, em comparação feita com 117 países; 
  •  93,3% são mulheres (ou seja, 6,7 milhões);
  • 61,7% do total de trabalhadoras domésticas são mulheres negras.
  • A ocupação de doméstica representa 19,4% do total de ocupação feminina, o que significa que uma a cada 5 mulheres maiores de 18 anos são domésticas;
  • Apenas 32% das trabalhadoras domésticas têm carteira de trabalho assinada, somente 30,1% contribuem para a previdência social e sua remuneração é, em média, mais baixa que o salário mínimo;
  • Em 2009, havia 383 mil meninos e meninas entre 10 e 17 anos no trabalho infantil doméstico. Desses, 340 mil eram meninas e 233 mil, meninas negras.
(Fonte: OIT - Organização Internacional do Trabalho, 2011; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD 2009, IBGE) 

De acordo com Vera Lúcia , “Atualmente, 70% das empregadas está na informalidade. Já os salários são os mais baixos de todas as ocupações predominantemente femininas: a renda mensal de uma trabalhadora doméstica é, em média, de um salário mínimo; no entanto, cerca de 1,8 milhão recebe metade disso. Considerando-se que as mulheres negras, em geral, já ganham até um terço do valor pago a um homem branco”.

E Vera Lúcia continua:
Foram “conquistas importantes, mas é preciso ir além. Por tudo isso, as mudanças na lei, constituem uma vitória da organização e luta dessas trabalhadoras. Tanto a equiparação salarial quanto os direitos são passos fundamentais para romper a lógica da escravidão e avançar na luta contra a opressão e exploração das mulheres, especialmente, das negras”

E a nossa luta continua! Lutamos por direitos e dignidade. Que novas conquistas sejam alcançadas pelas Empregadas Domésticas. E que além dos direitos específicos de cada trabalhadora/o, possamos também reivindicar educação, saúde, cultura... rumo à construção de um mundo mais justo e fraterno. Que nossos sonhos de luta pela vida não sejam sucumbidos ao longo do caminho. E que possamos dizer: AVANÇOS E CONQUISTAS AINDA QUE TARDIOS! 

Texto de Lucinete Santos - Educadora da Unidade Oblata de Belo Horizonte.

Fontes:
Casa Grande & senzala – Gilberto Freire 


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