quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Falecimento de Padre Líbânio

imagem: diocesano.g12.br

Vítima de um infarto, o padre jesuíta, João Batista Libânio, faleceu na manhã de hoje, 30, em Curitiba (PR). O sacerdote foi assessor da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e colaborador no Instituto Nacional de Pastoral e em comissões episcopais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Padre Libânio, como era conhecido mundialmente, dedicou-se aos estudos teológicos, à ação pastoral e ao magistério durante anos. Foi autor de mais de 125 livros.
Na arquidiocese de Belo Horizonte (MG) contribuía com artigos e textos para o Jornal de Opinião e Notícias Digital, nos quais escrevia na coluna “O olhar do teólogo”. Padre Libânio dizia que “nada faz o ser humano ser tão feliz como colaborar no crescimento interior e espiritual das pessoas”.
leia mais em: http://www.cnbb.org.br

O Serviço de Animação vocacional Oblata lamenta a perda deste grande Teólogo, que trouxe grandes e importantes contribuições para a Igreja e para nós Oblatas. Estamos em oração por toda a família Líbanio e pela Companhia de Jesus.

Em homenagem, publicaremos uma entrevista concedida por ele em 15/08/1995, sobre juventude. 

PJVO: Quem são os jovens nos dias atuais? Como podemos descrevê-los?
Pe. Libânio: Há jovens e jovens. No meu livro, jovens na pós-modernidade, fiz uma rápida tipologia. Resumindo muito o que lá desenvolvi, aponto alguns tipos de jovens.
Há jovens que ainda conservam no tumulto do mundo moderno uma fé tradicional serena, sem crises turbulentas. Guardam uma primeira inocência religiosa que a modernidade não conseguiu abalar. Têm uma beleza original, mas tendem a ser cada vez menos e muitos que assim começam a juventude não conseguem manter tal postura fundamental ao longo da vida. Outros sofrem os impactos desestruturantes da modernidade, tanto no sentido material, sendo marginalizados, quanto cultural, assumindo os valores corrosivos do individualismo, da busca sôfrega de prazer, da falta de referência objetiva de valores.
 A pós-modernidade radicaliza certos aspectos subjetivos da modernidade, gerando um jovem mais individualista, mas, por isso mesmo, inquieto e angustiado. A ferida que a cultura atual lhe rasga no interior provoca uma reação oposta de busca de uma religiosidade que lhe venha encher o vazio. E aí se abrem várias formas de vivência religiosa. Uns saltitam de experiência em experiência, outros se sentem atraídos pelas expressões rígidas do fundamentalismo e outros ainda ingressam na onda dos novos movimentos eclesiais. Estes conseguem conjugar, de um lago, a firmeza das propostas, e, de outro, oferecem um ninho cálido para o coração. Daí seu êxito numérico. Alguns desses movimentos vieram do Primeiro Mundo, como Focolare, Neocatecumenato, Comunhão e libertação, Opus Dei. Mas há também aqueles que nasceram em solo brasileiro, como a Toca de Assis, Shalon, Canção nova, e inúmeros outros.

PJVO: O número de brasileiros “sem religião”, sobretudo jovens tem aumentado. Há quem diga que os jovens de hoje, além de alienados da vida, se afastaram da religião, pouco ou nada freqüentam as igrejas. Porque?
Pe. Libânio: Sim e não. Estatisticamente cresce esse número. No entanto, os números freqüentemente nos induzem a equivoco. Antes, jovens que se declaravam religiosos, na realidade não viviam diferentemente do que vivem hoje, só que agora parece mais fácil e até interessante declarar-se ateu ou agnóstico. Na verdade, não houve real mudança. Pelo contrário, tem crescido o número de jovens que freqüentam as igrejas evangélicas com muito fervor ou movimentos espiritualistas católicos e alguns tocam a raia do fundamentalismo. Em vez de afastarem-se da religião, vejo que eles diversificam sua opção religiosa, como me referi acima. Há uma diferença importante. Cada vez mais as pessoas seguem uma prática religiosa por convicção e menos por tradição. As estruturas sociais não facilitam uma prática de massa. Por isso, parece que os jovens diminuíram a presença,mas crescem na sua qualidade. Refiro-me à realidade da juventude brasileira média.

PJVO:Como a Igreja deve entender melhor a juventude? (Será que a Igreja Católica somente pensa que os jovens têm que ser Padres e Freiras?)
Pe. Libânio: Num mundo plural, o único caminho da pastoral é diversificar ao máximo suas propostas, métodos, experiência, desde formas tradicionais até o uso de recursos eletrônicos. Uma cultura ou subcultura, como a juvenil, só se entende, inserindo-se nela. As pessoas que trabalham na pastoral da juventude necessitam aproximar-se desse mundo juvenil para captá-lo, entendê-lo. Só depois que se processa um discernimento quanto à maneira de evangelizá-lo. E isso se fará de maneira muito diferente conforme a situação cultural em que o jovem vive.

PJVO:Que tipo de espiritualidade os jovens modernos cultivam?
Pe. Libânio: Espiritualidade supõe experiência. A igreja católica conhece muitas tradições espirituais desde as mais antigas como a beneditina até as mais recentes dos novos movimentos religiosos que pululam no momento atual. Cada espiritualidade carrega dentro de si uma experiência específica de Deus. Todas guardam uma perenidade, já que esbarraram na fonte última: Deus. Atualmente é melhor falar de espiritualidades para a juventude. Conheço grupo de jovens que se aproximaram com muito interesse da espiritualidade beneditina que remonta ao século VI. Outros se inspiram em São Francisco de Assis e Santa Clara. E recentemente numa assembléia religiosa de que participei admirei um grupo de jovens leigos entusiasmados pela espiritualidade inaciana. E fora dessa longa tradição, surgem formas diferentes, criadas por leigos como a espiritualidade focolarina. Enfim, os que jovens de hoje se encontram diante de rica gama de oferta. Nem faltam aquelas que freqüentam espiritualidades originadas de religiões e culturas, vindas do Oriente ou de corte indígena ou afro.

PJVO: O jovem está, hoje, num ambiente onde procura explicações lógicas para seus problemas: drogas, sexo desvairado, álcool. Como passar o ensinamento de fé e experiência cristã para a juventude? Como deve tratar questões polêmicas como essas?
Pe. Libânio: É somente, em parte, verdade que a geração jovem busca explicações lógicas para os problemas das drogas, sexo desvairado, ou álcool. São mais sensíveis ás explicações de natureza psicoafetiva, emocional. Há, sem dúvida, razões sociais, políticas, econômicas que favorecem esses comportamentos desviados. Nascer e viver numa sociedade que promete pouco futuro, que suga o presente e obscurece o passado, deixa os jovens em situações extremas de desesperança. Daí vai um passo para o mundo das drogas e dos prazeres fáceis. Somam-se situações familiares desfavoráveis desde a infância,onde viveram sem cuidado e afeto dos pais. Em vez de desenvolver o lado do eu, dos ideais, açulam o eu das ambições. E na juventude entregam-se facilmente às aventuras. A pastoral necessita trabalhar simultaneamente a dimensão psicoafetiva individual do jovem e a situação social em que está imerso. Sem tocar esses dois pólos dificilmente encontramos uma saída.

PJVO: O que é fé?
Pe. Libânio: Na editora Zahar publiquei um livro com o título Fé. Aí trabalhei as diversas dimensões da fé. A base é a fé humana, antropológica, que se forma na primeira infância. Nela a criança aprende a confiar ou não nos pais, nos adultos que a educam. Sobre essa base humana germina, pela ação do Espírito, a fé-graça, que no batismo nos é dada pela ação do Espírito Santo. De maneira simples, crer é dar o coração a Deus, entregar-se à verdade de sua Palavra revelada. Estabelece-se uma relação ente a pessoa humana e Deus. A iniciativa, embora não percebida como algo externo e sensível, vem de Deus. Ele se adianta a nós e nos oferece seu projeto de amor, que, no fundo, é a nossa própria felicidade. Crer não é fazer um agrado a Deus à custa de nós mesmos, mas responder ao que há de mais radical no nosso ser. Não é uma imposição de aceitar absurdos para a razão, mas navegar no mar da existência, iluminado pelo fanal de quem nos ama extremamente: Deus. Deus é puro amor. Amor é querer o bem do outro, dar-se a ele numa união profunda. Mas como acontece entre liberdades, implica que ambos o queiram. Da parte de Deus, está a oferta feita. Falta-nos aceitá-la.

PJVO: Oração. Como o jovem e a jovem, devem começar esse caminho de encontro com Deus?
Pe. Libânio: Rezar é tão natural como respirar. Ninguém nos ensinou a fazê-lo. Mas, mais tarde nos ajudaram a aperfeiçoar a respiração, a corrigi-la e até mesmo usar maquias quando falha. Assim a pedagogia da oração. Há um primeiro momento que é espontâneo, congênito. Reza-se, sabendo-se amado, cercado por um Ser que nos cria e chama permanentemente a uma comunhão com ele. Reza-se, contemplando o mundo que nos cerca em sua beleza, mas também nos sofrimentos; Reza-se sozinho, no silêncio, com outros, nas celebrações. À medida que crescemos acontece um duplo processo. Perdemos, de um lado, a inocência e ingenuidade da primeira oração. Criamos hábitos de respirar mal, continuando a comparação. Então surge a necessidade dos corretivos, dos aprendizados. Para isso, estão os mestres da oração, os orientadores, os exercícios espirituais. Como no caso da espiritualidade, existem infinitas formas de oração. Cada um busque encontrar a que mais lhe responde e o ajude a amar e a servir os irmãos. Esta é a pedra de toque da autenticidade de nossa oração. Reza-se para amar sempre mais. E ao amar, sente-se vontade e necessidade de rezar.

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